O internacional Cachoeirense: O artista
determinado RICARDO.O reencontro
Quando criança queria ser pintora, iniciei as aulas de desenho, aos
cuidados do famoso cartunista Ricardo Ferraz. Após dez anos, surge a
oportunidade de escrever um perfil para o jornal da faculdade, sobre alguém
importante. Retorno a Cachoeiro de Itapemirim. Descubro o endereço do artista, toco
o interfone. Ele, logo me atende com o sorriso no rosto de sempre. Pode entrar
e sinta-se em casa; com as palavras de boas vidas entro e conheço melhor esse
grande homem.
Ricardo Ferraz é reconhecido internacionalmente por seus trabalhos
através do cartoon. Sua obra está
presente em jornais e revistas do Brasil, América do Sul, África do Sul,
Austrália, Europa, Canadá, EUA e na ONU. Conquistou a mídia ao vencer por 4
vezes o concurso de vinhetas (Plim- Plim), da Rede Globo. Teve seus trabalhos
exibidos na programação do SBT e escreveu vários livros, sendo “visão e revisão
conceito e pré- conceito”, um dos exemplares mais famosos.
Ele diz que deseja mostrar para a garotada que não é necessário
computador ou ateliê para compor a arte. Ricardo utiliza a cozinha de casa para
desenhar, até o símbolo da Rede Globo foi feito a partir do fundo de um copo. Com humildade e persistência ele enviou os
trabalhos para Globo e foi o primeiro cartunista capixaba a ter um trabalho
selecionado pela emissora, também foi o criador da primeira vinheta da Globo
com o tema “sensibilidade”. Acredita na força do cartum, acha que este tem a
linguagem universal e utiliza a frase de Paulo França para descrever o que
sente “um cartum vale milhares de palavras para
o povo a quem se nega as primeiras letras'”,
O determinado.
O ilustrador é dono de uma historia comovente, ele é daqueles que fazem
do “limão que a vida dá uma boa limonada, frase adaptada pelo próprio”. Com
cinco anos de idade, contraiu poliomielite, o que o deixou privado em uma cama,
sem contato com outras crianças de sua idade. O menino que tinha toda a
liberdade corria pela fazenda dos pais, da noite para o dia, estava preso a uma
cama por conta da doença. A vocação foi descoberta em meio à dificuldade, o
desenho. Com muita dedicação e carinho, ele começou os primeiros traços. Enxergava
arte em tudo que fazia e visualizava. Deitado na cama em meio à solidão fazia
das goteiras da infiltração diversão e desenho.
O pai de Ricardo, preocupado, foi à cidade mais próxima procurar ajuda
para tratar do filho. Encontrou um farmacêutico que não pode ajudar, mas indicou
o que fazer. Injeções foram aplicadas pelo pai, deixando feridas no braço, na
perna da criança. Ricardo acredita que a
esperança de todo o sofrimento, foi absorvida por um papel de embrulho de pão.
Com um pedaço de carvão e papel de pão, a dor parecia sumir, preenchendo o vazio
que a doença promoverá. Para conseguir o papel para desenhar. Ele chorava e
pedia a mãe para comprar pão. Ela montava em um cavalo e seguia para a cidade
mais próxima, a fim de realizar o desejo do pequeno, que na verdade queria
mesmo era desenhar.
Na época, pessoas com
deficiências não tinham o direito de trabalhar. Mas, com muita determinação ele
começou a engraxar sapatos, exerceu várias funções profissionais, de agitador
cultural a diretor de penitenciaria. A família Ferraz, perdeu tudo que tinha e
mudou se da Bahia. Surge o convite de
passar uns dias em Cachoeiro de Itapemirim, feito por alguns amigos, pediu ao
pai e recebeu um não. Convenceu a família, desde dessa época nunca mais, a não
ser para representar o município, país com sua arte.
Durante o período conhecido como Ditadura Militar. Morou na casa do
Estudante. Está foi símbolo da resistência política, eram realizados os
festivais da canção de onde surgiu o famoso Sergio Sampaio, que morou com
Ricardo e outros artistas na casa do estudante.
O olhar brilhante
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Eu e Ricardo |
Ricardo quis mostrar algo que guarda com carinho, em particular.
Mensagens de voz na secretaria eletrônica. Uma serie de jornalistas, escritores
ligam para ele e deixam recados carinhos e informações sobre o trabalho.
Pedindo a participação em grandes mídias e jornais. O Globo, a Folha de São
Paulo e outros fazem parte das memórias guardadas na secretaria eletrônica. Ao
escutar e relembrar cada momento e entrevista. Os olhos brilham e ele por
alguns instantes fica calado. Algo difícil para alguém tão comunicativo e
desinibido.
Uma pessoa comum, que não deixa o orgulho subir a cabeça. Aprendeu a lidar com o preconceito, através
do cartum. Conseguindo registrar os flagrantes das barreiras físicas e
dificuldades encontradas pelos deficientes
através da arte. Como militante, artista, cidadão ele declara ter uma vida
normal, limitações como qualquer pessoa. Ele vive a realidade, pegando ônibus,
subindo degraus, andando por todo o canto.
Cachoeiro
Utilizando a
frase “Se queres ser universal, começa por
pintar a tua
aldeia.", de Liev Tolstói .Para Ricardo foi mais fácil ser universal, do
que cantar a aldeia. A quebra do
paradigma quando se é um artista normal, segundo o ilustrador é complicado. Ele
destaca que teve um reconhecimento maior fora do país. Ricardo foi destaque
entre as 20 personalidades do mundo inteiro, com algum tipo de deficiência, por
uma famosa revista francesa entre outras revistas e mídia que teve destaque.
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Algumas matérias que guarda com carinho. |
Em Cachoeiro, ele recebeu os dois maiores homenagens da cidade. A comenda
de Newton Braga e a comenda Rubem Braga. Antigamente essas comendas eram
destinadas a grandes personalidades, coronéis, políticos, pessoas de pose. O
artista acredita que foi a primeira pessoa simples a receber esses prêmios.
Também recebeu o titulo de Cachoeirense presente. Ele brinca com o titulo do Cachoeirense ausente que está longe do calor do município e que o presente está
realizando o trabalho em prol da cidade, das pessoas locais e diz que prefere
cantar sua aldeia sendo presente na atuação no município.
A historia de Ricardo é extensa. É possível escrever um livro e rechear
de desenhos e textos sobre a biografia desse grande homem que supera obstáculos
diários e realiza um belo trabalho. O pai de Patrícia, o avô bobão de Maria Clara
fica sem reação quando a pergunta final é: Será que a netinha vai seguir os
passos do vovô? A arte.
Um abraço ao meu querido artista, que me recebeu em sua casa e por duas semanas me orientou com entrevistas.
Aline Amaral